Colaboração de Michele Louvores
O futebol tem um lugar especial na vida do brasileiro. Pelas cidades do país, milhares de pessoas se aglomeram em estádios e fazem grandes festas para incentivar o time do coração. Como se fala popularmente “torcida ganha jogo” e quem joga em casa tem que aproveitar a vantagem. Mas e se o jogo é, praticamente, na sala de casa? Quando o estádio de futebol é próximo de áreas de moradia, há uma vantagem ou desvantagem para a valorização do imóvel?
Projeto de lei
Recentemente, um projeto de lei da Câmara Municipal de São Paulo apimentou o debate sobre a influência dos estádios no preço dos imóveis. O projeto prevê a ampliação do limite de decibéis no perímetro do Estádio Cícero Pompeu de Toledo, no Morumbi, e do Allianz Parque, na Vila Pompeia, para 85 decibéis entre 12h e 23h. Atualmente, o limite é de 50 decibéis entre as 7h e 22h em áreas com zoneamentos residenciais.
Na prática, a medida facilita a realização de grandes shows e festivais nesses locais, aumentando ainda mais o fluxo de eventos e de pessoas. Por nota, a empresa que administra o Allianz informou que é a favor da aprovação da lei e que acredita que a medida vai possibilitar que a cidade se consolide ainda mais como destino de grandes eventos.
Por outro lado, parte dos moradores da região, como Laisa Menezes, profissional de relações públicas e que mora na Pompeia há cinco anos, não concorda com o projeto.
“O Allianz já faz bastante evento. Já tem uma frequência de jogos e shows enorme, que mobiliza muito público. Eu acho que seria além da conta e a convivência pacífica com o bairro poderia ir por água abaixo. Eles poderiam investir num projeto de sonorização, porque não basta aumentar o volume, tem que ter um planejamento de como o barulho atinge os locais próximos. Assim, eles poderiam evitar as multas e manter a qualidade dos eventos”, conclui.
Allianz Parque
Um estudo feito recentemente pelo Loft Dados, núcleo da plataforma imobiliária que dissemina informações para a sociedade, busca entender como a relação de proximidade com o estádio do Allianz Parque pode influenciar na valorização ou desvalorização dos imóveis no seu entorno. O economista Rodger Campos, gerente de dados da Loft explica as possibilidades.
“Vamos supor que conforme os imóveis se distanciam do estádio, apresentam valores mais altos. Nesse caso, o projeto em questão pode ser considerado uma ‘desamenidade’, um fator de desvalorização do entorno. Agora, se ao se distanciar do estádio, ocorrer uma redução no preço dos imóveis, ou seja, eles se tornam mais baratos, então essa característica é considerada uma ‘amenidade’, por gerar impactos positivos na valorização do imóvel”, diz.
O estudo do Loft Dados apresentou duas abordagens. Na primeira, foram analisados os dados de todas as transações realizadas no entorno do estádio durante o ano de 2021. Já na segunda, com o intuito de avaliar se as transformações que modernizaram o estádio poderiam aprofundar ou reverter o efeito observado no primeiro cenário, foi analisado um período mais longo, de oito anos, que tem início no fechamento do estádio para reformas em junho de 2010 e se encerra em junho de 2019, após quatro anos de entrega das obras.
Os números revelam que o preço dos imóveis não segue um padrão linear. Como explica Rodger, existe um ponto de inflexão no efeito calculado. A partir de aproximadamente 700 metros de distância da arena, ao invés de se observar incremento no preço, observa-se uma queda. Também é possível identificar a existência de uma distância média, em torno de 450 metros, em que os imóveis apresentam mais valorização com relação aos preços. A partir dessa distância específica é possível notar que, apesar de ainda apresentar ganhos nos valores do imóvel, essa margem diminui na medida em que o estádio se aproxima.
Em resumo, o estudo mostrou que estar muito perto ou muito longe do estádio tende a reduzir o valor do imóvel, mas que a uma distância média, o imóvel se valoriza. A figura abaixo ajuda a entender melhor:
Comparando os resultados entre os dois levantamentos, verifica-se que embora sejam mantidos os mesmos padrões com relação à distância, existe uma ampliação de finalidade do antigo Palestra Itália quando se transforma em Allianz Parque. Na prática, significa que assim como existe uma associação maior do local a “desamenidades” – como trânsito, barulho, aglomeração de pessoas, produção de lixo e violência –, também existe uma associação mais positiva com relação à inovação arquitetônica que o local representa e à ampliação do acesso a serviços de lazer, como partidas de futebol e shows.
Gol contra
Sejam os efeitos positivos ou negativos, o fato é que a presença de estádios de futebol tem forte impacto na rotina da vida dos moradores do seu entorno. Entre as inconveniências mais comuns estão fechamentos de ruas, desvios de trânsito, congestionamentos, excesso de movimentações de pessoas e poluição sonora. Para Laisa Menezes, um dos principais problemas de morar próximo ao Allianz Parque é a realização de eventos durante a semana, que costumam ir até tarde, principalmente os jogos.
“Aqui tem muito palmeirense, então nos jogos são muitos fogos de artifício e pessoas gritando. Eu sinto que aqui tem uma intensidade maior desse evento expandido que acontece dentro do estádio”, afirma.
O barulho e o trânsito também afetam a rotina de Laisa que mora há exatos 950 metros do Allianz, no entanto ela também consegue enxergar os pontos positivos de ter o estádio próximo.
“O Allianz mantém o bairro ativo e traz movimento para as ruas, isso também contribui para a segurança de quem mora na região”, acredita.
Gol de placa
Se por um lado há inconvenientes, por outro, estruturas como estádios de futebol costumam atrair grandes montantes de investimento público para melhorias das áreas no entorno, principalmente na infraestrutura e no transporte. Arenas mais modernas, onde ocorrem múltiplas atividades como jogos e shows, também podem atrair o setor privado que busca explorar serviços através de hotéis, lojas, estacionamentos e restaurantes.
Um estádio pode impulsionar o preço dos imóveis no entorno de diferentes maneiras. Em alguns casos, funciona até mesmo na valorização estética urbana, tornando-se ponto de referência importante dentro da cidade e motivo de orgulho para os moradores daquela região. Além disso, morar próximo a estádios proporciona acesso fácil a eventos de entretenimento como jogos de futebol e shows e em alguns casos possibilitam inclusive a utilização de piscinas e de complexos esportivos disponibilizados.
Com tantos pós e contras, é muito difícil determinar em que medida os impactos de um estádio de futebol são critérios de desempate para a valorização dos imóveis no entorno, por conta das especificidades de cada lugar.
Para Rodger Campos, no caso do Allianz Parque, o que encontramos é um efeito difuso, por conta das complexidades que uma estrutura desse porte carrega, com suas vantagens e desvantagens.
“Ao compararmos áreas muito próximas ao estádio com áreas mais distantes, os resultados sugerem desvalorização das áreas mais próximas. No entanto, imóveis com distância superior a 800 metros tendem a desvalorizar e não são afetados pelos benefícios propiciados pela Arena”, reflete.
Entender o impacto de uma arena para o mercado imobiliário do entorno requer estudos que captem todas as complexidades envolvidas. No mundo, existem casos de grande valorização da vizinhança como o Emirates Stadium em Londres, assim como áreas que sofreram uma significativa desvalorização como em Gwangju, na Coréia do Sul, com a construção do estádio esportivo Gwangju-Kia Champions Field.
Como podemos perceber, diferente do futebol, quando avaliamos o impacto de um estádio nos imóveis próximos, a regra nem sempre é tão clara assim.
Leia mais
- Avaliação de imóveis: como localização e vizinhança impactam no preço.