Já viu aqueles tapumes que cobrem um prédio inteiro e, quando somem, revelam a mesma fachada com toques de modernidade? Ou reparou em intervenções luminotécnicas no exterior de edifícios históricos? Estes são apenas dois exemplos de retrofit, um tipo de intervenção da construção civil cada vez mais popular pelo mundo.
A definição da Associação Brasileira de Normas Técnicas para esse conceito é precisa: remodelação ou atualização do edifício ou de sistemas, através da incorporação de novas tecnologias e conceitos, normalmente visando a valorização do imóvel, mudança de uso, aumento da vida útil e eficiência operacional e energética.
Para quem se pergunta se a Loft faz esse tipo de intervenção em seus apartamentos à venda, adquiridos em prédios que já estão de pé nos bairros mais nobres de São Paulo, a resposta conceitual é: não. São reformas profundas, que vão do esqueleto aos acabamentos, que mantêm o modo de uso residencial – e mudam, para melhor, a qualidade de vida.
O que é retrofit?
Palavra que une termos em latim e inglês, retrofit significa, etimologica e respectivamente, movimentar-se para trás e ajustar-se. Em português, esse conceito pode ser pensado como “reconversão” ou “modernização” de uma construção, seja através de sua adaptação, atualização, customização ou requalificação.
Esse tipo de intervenção é feito em edifícios para integrar melhorias e mudanças de uso que podem ser de naturezas muito variadas – da transformação completa da fachada a um novo projeto luminotécnico, otimização de consumo, proteção contra eventos meteorológicos extremos ou atualização do sistema de ar-condicionado.
E não é preciso ser um prédio. Em 2012, a centenária Ponte da Torre, um dos pontos mais icônicos de Londres, passou por este tipo de intervenção para instalação de um sistema de iluminação em LED que reduziu seu consumo de energia em 40%. Os profissionais passaram seis meses andando cuidadosamente por parapeitos de granito e se segurando em correias de aço para instalar 5 mil metros de cabeamento a tempo do Jubileu da Rainha.
História do Retrofit
Popularizado primeiro nos EUA e na Europa, esse tipo de intervenção é bastante associado à proteção do patrimônio histórico, que muitas vezes não permite mudanças em estruturas tombadas. E, enquanto a restauração consiste em recuperar um bom estado de conservação, o retrofit bem executado não só conserva a estrutura original da construção (se assim for necessário), como adiciona modernidade em termos de matérias-primas ou equipamentos.
“A Europa não é como o Brasil, que tem muito espaço para crescer. Uma das soluções que urbanistas e arquitetos entenderam era reutilizar e readequar prédios existentes para aproveitar melhor os espaços de acordo com o modo de viver contemporâneo”, explica Aline Balazina, arquiteta da Loft.
Ela explica que, no caso de edifícios antigos, isso leva em conta não apenas uma nova infraestrutura, mas também atenção a pontos básicos de projetos atuais, como incluir acessibilidade e rotas de fuga. “É preciso agregar questões que, muitas vezes, não eram abordadas na época.”
E até o Empire State, em Nova York, um dos edifícios mais famosos do mundo, já sofreu esse tipo de intervenção. Feito há pouco mais de uma década, ele comprova a grande diferença na construção civil de hoje graças ao desenvolvimento tecnológico e de materiais. Neste caso, as novas janelas são 400 vezes mais eficientes – e as prévias eram apenas dos anos 1990!
A opção por retrofit também pode ter incentivos financeiros. Além de proteger a arquitetura, o retrofit tem a capacidade de atender a demanda habitacional em áreas onde não há mais espaço para construir novos prédios, mas não faltam potenciais clientes à espera de uma boa oportunidade de moradia. Em resumo, uma boa localização e um imóvel compatível com a habitação moderna.
Exemplos de retrofit de fachada
Há diversos tipos possíveis de retrofit de fachada, que vão de restauros impecáveis por fora e modernizadores por dentro a transformações radicais.
Em 2016, o estúdio franco-brasileiro Triptyque conclui uma obra no Rio de Janeiro no prédio RB12, na Avenida Rio Branco. Construído nos anos 1970, ganhou uma fachada bioclimática com janelas dispostas como diamantes e que jogam com a refração de luz. Painéis fotovoltaicos foram instalados em sua lateral e um jardim suspenso nos terraço e nas varandas permitem sombra natural e otimização do controle térmico – uma opção muito útil em uma cidade tão quente.
Nem sempre o retrofit tem a ver com estética. Em países onde eventos sísmicos são comuns, como no Japão, há a possibilidade de adaptar construções antigas com conceito de intervenção de fachada e no interior do edifício.
Retrofit House Zero, em Harvard
Uma intervenção na fachada pode ser tanto discreto, visando melhorias internas ou troca de pintura, quanto completamente transformador. No caso do quartel-general do Harvard Center for Green Buildings and Cities, da Harvard University, foi um pouco de tudo.
Para fazer jus à existência de um laboratório dedicado à pesquisa de cidades e construções verdes, o edifício inteiro, construído em 1924, passou por um retrofit ambicioso que manteve suas características arquitetônicas e adicionou ultra-eficiência energética. Entre seus objetivos:
- Ventilação 100% natural
- Autonomia energética 100% durante o dia
- Quase 0% de energia para aquecer e resfriar o ambiente
- Emissões zero de carbono
O vídeo abaixo mostra como o projeto (que inclui até um software para abrir e fechar janelas automaticamente com inputs de sensores) foi desenvolvido ao redor da casa pré-existente:
Questionados sobre como outros poderiam replicar essa abordagem, os profissionais de Harvard explicam que muitas ideias são transferíveis e capazes de evitar demolições custosas ou causar desperdício. “Aplicar um ou mais de um componente [da HouseZero] poderia impactar positivamente o ambiente, a saúde de seus ocupantes e os custos operacionais do edifício”, escrevem.
Como um projeto de retrofit funciona
Antes de tudo, explica Aline Balazina, é preciso saber em quais das três linhas de pensamento o projeto de retrofit – uma área bastante dinâmica da arquitetura – irá se encaixar. “Não existe certo ou errado, depende de quem está concebendo o projeto”, fala.
- Pouca intervenção e manutenção do que já existe, sem adicionar elementos novos
- Restauração com adição de elementos novos e contemporâneos, evidenciando o que é novo ou antigo
- Restauração com adição elementos novos, ajustados e disfarçados para parecerem antigos
De qualquer maneira, para criar um projeto de retrofit, é preciso debruçar-se sobre todas as suas plantas e criar soluções integrais para a construção. Arquitetos que se envolvem na revitalização de edifícios icônicos vão além e buscam estudar profundamente seus criadores para entender seu ponto de vista e, assim, manter o espírito do projeto.
“A maior preocupação ao se decidir realizar um retrofit é conseguir perceber a identidade do edifício, contextualizando-o historicamente e garantindo uma personalidade própria, que o torne uma referência. E, através de artifícios como a criatividade, se recria e renova a construção, conectando-a com os serviços e comércios do entorno, assegurando sua atualidade no futuro”, escrevem os arquitetos Anna Paula Barbugli Sortino e João Carlos de Oliveira César.
Não que seja fácil: as limitações de uma estrutura pré-existente podem ser grandes e custosas. Quando um condomínio comum faz um retrofit de sua parte elétrica, por exemplo, pode optar por elevar o piso para instalar os cabos. Isso não é necessariamente possível em uma estrutura tombada. É preciso pensar fora da caixa de maneira eficiente.
Retrofit e sustentabilidade: faz sentido?
De acordo com o Conselho Brasileiro de Construção Sustentável, o retrofit é, sim, uma opção atraente em termos de sustentabilidade. “A construção civil é um dos setores que mais consomem recursos naturais. O caminho para um setor mais sustentável deve prever a diminuição, reversão ou anulação de impactos gerados em todos os âmbitos de sua atuação”, escrevem.
Atualmente, o setor industrial, que inclui a produção de cimento e aço, é responsável por 21% das emissões de gases de efeito estufa no mundo. Além da diminuição da pegada de carbono oriunda da matéria-prima – um projeto intervencionista ainda exige cimento e aço, mas muito menos do que uma construção que sobe do zero –, há também menos entulho a ser descartado.
De forma geral, com o adensamento urbano crescente, tornar as construções existentes mais eficientes é um passo que caminha rumo à popularização no país. O Conselho ainda aponta as vantagens sociais e econômicas do retrofit, que potencialmente causam valorização imobiliária do entorno e recuperação de espaços subutilizados e/ou degradados.