“O que está por trás do conceito da fachada ativa é algo muito antigo: é a busca pela convivência”, explica o urbanista Fernando de Mello Franco, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e ex-secretário de Desenvolvimento Urbano de São Paulo. “Significa que todos os usos convivem: a função de trabalhar, a função de comprar, se divertir… A cidade mista é aquela em que a habitação, o comércio e os serviços coexistem no mesmo espaço”, complementa.
O que é fachada ativa?
Você já deve ter visto, entrado e comprado algo em um imóvel com fachada ativa e nem se deu conta. Sabe aquele mercadinho de bairro, padaria ou loja que fica no térreo de um prédio, voltado para a calçada, com portaria ao lado para a entrada de moradores dos andares superiores? Esse é um exemplo clássico de imóvel com fachada ativa, que pode ser visto com frequência nos centros urbanos das maiores cidades brasileiras.
Segundo o urbanista, que também foi presidente da SP Urbanismo (empresa pública de urbanização da capital paulista), as fachadas ativas oferecem a melhor interface entre o espaço privado (onde moram as pessoas) e o público (ruas e calçadas). “São Paulo, Salvador, Recife, Tóquio, Paris, Nova York. Todas as grandes cidades com moradias verticais e concentração de pessoas têm fachadas ativas desde sempre.”
No DNA desse conceito, diz Franco, está a história da urbanização. As primeiras vilas eram formadas por residências e locais de comércio. “Os imigrantes chegavam ao Brasil, montavam seus negócios no térreo e moravam na sobreloja.” Ele lembra a influência europeia por trás desse tipo de moradia e cita cidades icônicas como Paris e Barcelona, com seus agradáveis passeios cheios de cafés, restaurantes e lojas em meio aos prédios residenciais.
“No pós-guerra, sob influência norte-americana, quando começaram a construir edifícios monofuncionais, murados e isolados da cidade, as ruas ficaram desertificadas. Nada é mais sinistro do que caminhar entre muros numa rua deserta. A fachada ativa é um resgate de uma forma de viver na cidade”, afirma.
Conceito de Fachada ativa
Como as necessidades de uma população mudam ao longo dos tempos, a cultura em torno do viver também se altera. Atualmente, urbanistas vêm uma retomada na busca por espaços mistos em algumas capitais brasileiras, principalmente pelas gerações mais novas.
Talvez a pandemia da Covid-19 – que forçou o isolamento nas grandes cidades e trouxe o trabalho e os estudos para dentro de casa – possa ter contribuído para uma mudança de paradigma, além da preocupação com a sustentabilidade, afirma o urbanista.
“Há maior consciência nas novas gerações, que têm informação suficiente para saber que o quadro de emergência climática coloca o futuro delas em risco, que precisam mudar de atitude, diminuir poluentes emitidos pelos carros, por exemplo”, argumenta Fernando de Mello Franco.
“Há também uma preocupação com a qualidade de vida. É mais divertido viver na cidade. Nós vimos isso acontecer na pandemia. Eu mesmo passei a consumir e me divertir apenas ao redor na minha casa”, conta o urbanista.
Como fica a segurança nos imóveis com fachada ativa?
Sabe aquela sensação de movimento? A fachada ativa traz uma atmosfera de pertencimento e segurança para quem vive ao redor dessas construções, argumentam especialistas.
O arquiteto Rafael Frajndlich, professor de História das Cidades na Unicamp, diz que a fachada ativa é um conceito defendido no meio acadêmico. “Usar bem os espaços de frequência pública é desejável, do ponto de vista urbanístico, e tem relação com a ideia de uma cidade pulsante”, enfatiza.
No entanto, houve um movimento no Brasil, principalmente nas décadas de 1980 e 1990, enfatizando que as fortificações e os condomínios segregados ofereciam mais status e segurança, mesmo sem estatísticas existentes para comprovar esta tese. “Esse conceito permanece forte até hoje, principalmente nos condomínios autossuficientes, encastelados. É uma visão oposta à da cidade pulsante”, afirma Frajndlich.
“Em 2019 eu morei em uma sobreloja, no bairro de Perdizes, em São Paulo. O quarteirão todo era residencial, mas havia debaixo do meu apartamento um restaurante pequeno. Ele convidava para a convivência, as pessoas vinham de várias partes para comer naquele lugar. Era apenas um comércio no térreo e, mesmo isolado, era transformador, eu me sentia seguro. O poder da fachada ativa é muito grande”, argumenta.
A consagrada Jane Jacobs, grande responsável pelo resgate urbanístico de Nova York e por ter influenciado o urbanismo do século 20, desenvolveu o conceito dos “olhos da rua”. Isto é, as pessoas que circulam pelos bairros acabam se tornando, involuntariamente, vigias de segurança urbana. Jacobs é autora do livro “Morte e vida de grandes cidades”, publicado no Brasil pela WMF Martins Fontes.
Fernando de Mello Franco conta uma experiência pessoal para exemplificar a ideia de Jacobs. “Quando meu filho era pequeno, costumava passear pelo nosso bairro com a babá, mas num dia de folga eu fui para o passeio. Funcionários das lojas no entorno desconfiaram. Um morador me abordou para saber quem eu era. As relações de vizinhança trazem mais segurança do que as fortificações”, diz o urbanista.
Vantagens e desvantagens de imóvel com fachada ativa
Acordar cedo e descer até o térreo para comprar aquele pão francês quentinho pode ser uma das vantagens de morar em um prédio com fachada ativa.
Outra vantagem é não depender de transporte, seja público ou particular, para fazer as compras diárias ou mesmo usufruir de momentos de lazer. “Quando você caminha, aproveita para criar relações mais próximas, movimentar o corpo e ainda contribui para as questões climáticas, já que é menos combustível queimando na cidade”, argumenta Fernando Mello Franco.
Por outro lado, dependendo do tipo de comércio e dos horários de funcionamento, morar em um prédio desses pode ser mais delicado para quem procura silêncio – ou mesmo para aqueles que preferem uma região com menos circulação de carros e pessoas. A movimentação de “estranhos” também pode ser uma fonte de preocupação para alguns moradores.
Incentivos e legislação sobre fachada ativa
Fachadas ativas trazem vantagens também para construtoras que investem nesse tipo de projeto. Em algumas cidades, há incentivos para construção de edificações de uso misto, como ocorre na capital paulista, onde as construções estão detalhadas no Plano Diretor da cidade.
Mariana Bressane, da Arquitetura Legal em São Paulo, empresa de consultoria em legislação e projetos arquitetônicos, explica que em São Paulo os imóveis com fachada ativa permitem uma área de construção extra, pois não tomam parte do chamado “potencial construtivo do terreno”, que tem um limite máximo conforme a localidade. Portanto, a área de comércio ou de escritório fica fora do limite para construção residencial.
“E é uma área de venda, ou seja, a construtora comercializa assim como um apartamento ou um escritório. Além disso, não incide sobre ela a taxa de outorga onerosa (valor que se paga à prefeitura para poder construir acima do coeficiente de aproveitamento básico do terreno), explica a especialista.
Os usos permitidos vão depender da localização do imóvel, tanto pelo zoneamento como pela largura da rua (ruas mais estreitas podem não comportar uso comercial ou comportar apenas comércios de pequeno porte). As atividades mais usuais são lojas (comércio em geral), locais de alimentação (cafés, restaurantes, lanchonetes) e prestação de serviços, como academia, lavanderia e clínicas, cita Bressane.
Observe as regras condominiais
Para que a convivência nesses imóveis seja harmônica, é importante que as áreas estejam bem definidas e existam regras para espaços compartilhados. Isso é facilmente resolvido em subcondomínios, formados por representantes das áreas comerciais e residenciais.
Mesmo que o prédio esteja na planta, é possível consultar as regras antes de definir pela compra. Em alguns empreendimentos, os espaços de comércio são oferecidos previamente aos proprietários e moradores que desejam atuar naquele local.
E como as convenções do condomínio ocorrem periodicamente, há sempre a possibilidade de modernizar e criar novas regras. Mariana Bressane lembra que o uso misto possível nos imóveis de fachada ativa traz maior valor agregado ao empreendimento. “Esses espaços fazem parte do condomínio. Trazer praticidade para seus usuários e moradores é um ponto alto, justamente pela oferta local de comércio e serviços.”
Matéria especial sobre fachada ativa.
Colaboração de Marcela Guimarães
Comentários
Silvia
No meu condomínio essa tal fachada ativa nao pegou. As unidades comerciais não foram alocadas até hoje, permanecendo um vazio abandonado.
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