Cozinhar, tomar banho, circular entre os cômodos da casa, acender e apagar a luz são atividades do cotidiano de todos nós, mas para muitas pessoas com deficiência elas são obstáculos. Um imóvel com acessibilidade representa, para elas, a oportunidade de viver com mais autonomia e segurança.
É o caso do artista e professor de dança Eduardo Oliveira – que se locomove através de cadeira de rodas devido a poliomielite que adquiriu com apenas um ano de idade. Edu O. – como é conhecido no meio artístico – sempre quis reformar a casa onde nasceu e passou sua infância, em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, já que o imóvel não tinha acessibilidade para ele se locomover com a cadeira de rodas. Edu conta que sempre viveu em lugares em que precisava de ajuda para entrar e sair de casa, mas, com o tempo, foi tomando consciência que precisava criar este espaço acessível. Foi o que ele decidiu fazer ao ser aprovado no doutorado em uma universidade próxima à sua cidade natal e voltar a morar na casa da família durante o período do curso.
“Para entrar e sair de casa tinham três batentes, além de uma escada para subir para o quarto e para o banheiro. Passamos a vida toda nesta casa, com a mesma estrutura, sem mudar nada, sem nunca reformar”, revela. A reforma começou em 2019, mas, por conta da pandemia, só foi finalizada em maio de 2022.
O que é acessibilidade arquitetônica?
Acessibilidade arquitetônica é a eliminação das barreiras físicas nas residências, nos edifícios comerciais e outros espaços urbanos para permitir a melhor circulação de pessoas com deficiência de locomoção. Rampas, elevadores e banheiros adaptados são exemplos desses espaços acessíveis.
Segundo um levantamento da Pesquisa Nacional de Saúde, realizada em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), assim como Edu O., mais de 17,3 milhões de pessoas têm algum tipo de deficiência no país. Apesar do entendimento sobre quem é considerada uma Pessoa com Deficiência (PCD) e suas necessidades ainda estar em desenvolvimento, duas coisas são fatos estabelecidos: (1) trata-se de uma parcela significativa da população brasileira e (2) é direito de todos eles viverem em um lugar que corresponda às suas necessidades.
Em 2020, as pessoas com deficiência conquistaram um direito importante no que diz respeito às construções com acessibilidade. O Decreto Presidencial nº 9.451, de 2018, determina que as construtoras e incorporadoras devem construir todos os apartamentos adaptados para o uso das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. Caso a unidade seja adquirida na planta e o consumidor solicite, em um requerimento por escrito, a construtora tem o dever de entregar o imóvel totalmente acessível sem nenhum custo adicional.
Em todo caso, é importante estar atento a alguns dispositivos como a LBI, que é a Lei Brasileira de Inclusão. Publicada em 2015, ela protege os direitos e liberdades fundamentais da pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania inclusive nos condomínios.
Outra lei importante é a Lei de Acessibilidade, de 2020. Essa lei prevê, por exemplo, que todos os empreendimentos devem ser acessíveis e determina que no caso de as vagas de garagem serem vinculadas às unidades, o condomínio é obrigado a disponibilizar outras vagas para atender às necessidades das pessoas com deficiência.
O que é um imóvel com acessibilidade?
A arquiteta e urbanista Thamyres Azevedo afirma que um apartamento ou casa com acessibilidade é aquela que permite que o usuário tenha conforto, autonomia e segurança em todos os cômodos. “Um imóvel acessível deve contemplar elementos de segurança, mobiliários adequados e tudo que for preciso para que a pessoa possa utilizar o espaço de acordo com as suas necessidades”, explica.
Para o banheiro acessível, é necessária uma área de manobra com amplitude mínima de 180 graus, e os lavatórios devem garantir altura frontal que pode variar de 0,78 m a 0,80 m com um avanço de 0,30 m sob o lavatório. Já as dimensões mínimas do box para o chuveiro tem que ser de 0,95m x 0,90m e o piso do chuveiro não deve apresentar desnível com a área adjacente. Outra necessidade é a previsão de reforço nas paredes para uma eventual instalação de barras de apoio e banco articulado, além da área de transferência que, nos casos da transferência para a bacia sanitária, podem ser consideradas as mesmas da área do box.
O Decreto Presidencial nº 9.451 exige que os apartamentos ou casas com acessibilidade tenham:
- Portas com largura livre mínima de 80 centímetros e toda a circulação apresentar espaço suficiente para a realização de manobras;
- Rampas de acesso ao imóvel;
- Corredores de acesso que permitam aos cadeirantes a realização de manobras de 90º;
- Banheiros sem desníveis no piso; instalação de barras de apoio e puxadores horizontais na porta do banheiro;
- Alcance visual adequado de janelas e guarda-corpos;
- Fita contrastante para sinalizar degraus.
A arquiteta alerta que os sanitários merecem uma atenção especial nos projetos, já que costumam ser o cômodo com maior índice de acidentes. “O cuidado com o piso antiderrapante e as barras de apoio são imprescindíveis para evitar riscos”.
Projeto acessível traz autonomia e dignidade
No caso de Edu O., a principal exigência que fez à arquiteta que planejou sua reforma foi de que tudo na parte inferior possibilitasse sua autonomia e que ele pudesse fazer as coisas dentro da sua experiência de corpo.
Além dos cômodos que foram construídos no quintal para o próprio Edu O. e para a sua mãe, outras adaptações foram feitas. “Ampliamos as portas, colocamos as rampas de entrada, bancada de cozinha e fogão mais baixos, tudo para que eu tivesse autonomia para circular e fazer as coisas sem precisar dos outros, como sempre foi”, conta o artista.
Para a arquiteta Thamyres Azevedo, a ideia de ter espaços eficientes que possibilitem a liberdade de movimento e de expressão e o direito de uso é uma necessidade de todas as pessoas. “O que é acessível atende a todos. Precisamos pensar na dimensão dos espaços, sinalização, eliminação de desníveis e obstáculos, possibilidade de escolha nos meios de circulação, mobiliários, enfim, a acessibilidade trabalha com diversas áreas para as diversas pessoas”, explica.
Thamyres acredita que os imóveis podem ser valorizados quando existe a possibilidade de adaptações. “As pessoas esperam envelhecer e construir uma história no lugar onde vivem, além de ser imprevisível saber quando vamos precisar de alguma adequação mesmo que de forma temporária, como por exemplo, um pé machucado”, explica.
Viver com autonomia e com dignidade sempre foi o que Edu O. quis para a sua vida e para a de todas as pessoas com deficiência. Ele acredita que as pessoas com deficiência podem e devem ter um lar com a segurança e conforto que precisam. “Passei a primeira semana na casa reformada sozinho e foi uma experiência avassaladora poder fazer as coisas do cotidiano e aprender, com 45 anos, coisas que pra outras pessoas podem ser muito fáceis. Lavar pratos, limpar chão, mudar móveis de lugar, abrir porta sem precisar jogar chave, como era antes. Quando a gente oportuniza, a gente vai dando dignidade para aquela pessoa se entender no mundo como alguém capaz, como alguém que é possível”, conta Edu.
Colaboração de Michele Louvores
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