O ciclo de alta histórica da taxa básica de juros da economia, a Selic, tem gerado uma nova tendência no mercado imobiliário. Compradores de alta renda, com recursos para pagar pelos imóveis à vista, têm preferido deixar o dinheiro investido, optando por um financiamento imobiliário, e usar os rendimentos da aplicação para pagar as parcelas do empréstimo. A estratégia pode ser lucrativa e o empurrão que faltava para a compra de um imóvel, mas analistas ressaltam que é preciso tomar alguns cuidados para não acabar pagando mais caro no futuro.
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu na reunião da última quarta-feira (21) manter a taxa Selic em 13,75% ao ano. Esse valor representa uma alta de quase 600% em relação à Selic vigente em janeiro de 2021, que era de 2% ao ano.
Nos financiamentos imobiliários, porém, os juros anuais variam em média de 9,5% a 12% atualmente, segundo dados do Banco Central referentes ao mês de agosto de 2022.
“Quando os juros sobem acima de um patamar médio, em função de distorções de mercado, algumas pessoas entendem que aplicar aquele dinheiro pode ser mais interessante do que se descapitalizar. É o que está acontecendo agora, com o Banco Central subindo juros de forma agressiva para tentar conter a inflação”, explica Marcos Saceanu, presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário do Rio (Ademi-RJ).
Ele explica que apesar de os juros do financiamento imobiliário acompanharem a tendência de alta da Selic, os percentuais não são os mesmos, já que dependem também das condições do mercado e da legislação.
“Quando a Selic estava em 2% a 4%, por exemplo, os juros dos financiamentos imobiliários não baixaram a esse patamar e estavam mais altos. A mesma lógica se aplica agora, mesmo com a Selic bem mais alta, os juros do crédito imobiliário não vão subir na mesma magnitude”, afirma.
A taxa de juros do financiamento imobiliário tem um bom amortecimento em relação à taxa Selic por causa da origem do dinheiro que banca o crédito imobiliário: a poupança. Por lei, o Banco Central obriga instituições financeiras a usar 65% do valor aplicado na poupança para financiamento imobiliário, do contrário, são penalizadas.
Quando a taxa básica de juros sobe, o rendimento da poupança aumenta também. Assim, a taxa dos financiamentos precisa subir para remunerar o poupador, mas esse repasse tem um limite. Dentro do chamado Sistema Financeiro da Habitação (SFH), para imóveis que custam até R$ 1,5 milhão, existe um teto imposto pela legislação de cobrança de taxa de juros, que é de 12% ao ano. Ou seja, mesmo que a Selic continue subindo e ultrapasse o patamar de 14% ao ano, os juros do crédito imobiliário não vão ultrapassar os 12%.
Mas, com a taxa Selic mais alta que os juros do empréstimo imobiliário, quem deixa o dinheiro investido em alguma aplicação que seja corrigida pela taxa básica de juros não apenas consegue usar o rendimento para pagar as parcelas, como também pode lucrar.
Para isso, porém, é importante que o investidor considere alguns fatores. Em primeiro lugar, é preciso lembrar que o valor do empréstimo não é composto apenas da taxa de juros. O Custo Efetivo Total (CET) da operação – ou seja, o valor final pago pelo cliente ao banco – inclui ainda os seguros obrigatórios e tarifas bancárias. Esse percentual varia de acordo com o perfil de crédito do cliente e seu relacionamento com a instituição.
Além disso, alguns investimentos estão sujeitos ao desconto de Imposto de Renda e ao pagamento de taxas de administração. Por isso, é importante fazer as contas para verificar se o rendimento da aplicação será de fato igual ou maior que o valor da parcela do empréstimo.
Outro ponto relevante é a liquidez, isto é, a rapidez com a qual o investidor consegue resgatar o valor aplicado. Considerando que o comprador do imóvel precisará retirar o valor das parcelas mensalmente, é preciso se organizar para que o dinheiro esteja disponível nas datas de pagamento do financiamento. Então, é preciso escolher investimentos que tenham mais liquidez.
Entre as opções de investimento estão os títulos do Tesouro corrigidos pela Selic e os Certificados de Depósito Bancário (CDBs), que são corrigidos pela taxa DI, que por sua vez acompanha a taxa básica. Ambos possuem desconto de IR.
As alíquotas de imposto de renda começam em 22,5% para aplicações resgatadas em até 180 dias. Quanto mais tempo o investidor deixar o dinheiro aplicado, menos imposto ele pagará. Entre 181 e 360 dias, o valor é de 20%. De 361 a 720 dias, de 17,5%. E acima de 721 dias, a tributação é de 15%.
“Quando a gente está falando de um valor de um imóvel, é interessante que o investidor monte uma carteira diversificada. Mas nesse caso em que ele tem a necessidade específica de todos os meses resgatar, e quer a segurança de que o dinheiro vai crescer de forma fixa, será preciso um investimento conservador e com liquidez, como o Tesouro Selic, fundos referenciados DI ou um CDB com liquidez diária a pelo menos 100% do CDI”, aconselha Antônio Sanches, analista da Rico Investimentos.
Cenário pode mudar no futuro
Para o analista, o investidor deve ter em mente que as condições favoráveis atualmente a esse tipo de estratégia podem não se manter no futuro. No Boletim Focus divulgado pelo Banco Central na última segunda-feira (19), os agentes de mercado projetam uma queda da taxa Selic para os próximos anos. O documento reúne a projeção de mais de 100 instituições do mercado para os principais indicadores econômicos do país.
A expectativa, segundo os analistas, é que a Selic fique no patamar de 11,25% em 2023, 8% em 2024 e 7,5% em 2025.
“Quanto maior o spread, menor o risco nessa operação. Ou seja, se você tem um financiamento a 5% e um rendimento de 13,75%, você tem bastante margem para a Selic cair”, explica Sanches.
No curto prazo, porém, há a possibilidade de o Copom aumentar ainda mais a taxa básica de juros nas próximas reuniões, já que a decisão de mantê-la em 13,75% no último encontro não foi unânime. De acordo com o comunicado do BC, dois dos nove membros do comitê votaram por uma “elevação residual” de 0,25 ponto percentual, o que elevaria a Selic para 14% ao ano.
Para quem tem essa possibilidade de aproveitar a Selic em alta para investir o dinheiro da compra do imóvel e usar o rendimento da aplicação para pagar um financiamento, o presidente da Ademi-RJ Marcos Saceanu lembra que caso essa estratégia deixe de ser vantajosa, o comprador continua tendo uma boa saída: quitar o imóvel.
“A quitação ou redução do prazo de financiamento, conhecida como amortização, é um critério do devedor. Esse é mais um motivo para que o comprador busque uma aplicação com liquidez, para que o dinheiro possa ser resgatado a qualquer momento”, afirma.
Colaboração de Stephanie Tondo
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