Sancionada em junho de 2022, a Lei nº 14.382 pode tornar a compra de imóveis um processo menos burocrático, mais barato e com maior segurança jurídica para o comprador. A nova legislação alterou a Lei nº 6.015/73 e reduziu o risco de quem está adquirindo o bem de responder por dívidas do antigo proprietário – dispensando a apresentação de documentos, como certidões judiciais negativas de diferentes esferas, durante o trâmite.
Na prática, a nova lei de registros públicos é mais um reforço à proteção ao terceiro de boa-fé, ou seja, de um adquirente de imóvel, visto que ele não pode mais ser responsabilizado por dívidas que não constam na matrícula do imóvel.
Nesse cenário, como aponta Vitoria Lisboa, diretora de operações jurídicas da Loft, a matrícula do imóvel passou a ser a peça-chave para o sucesso da negociação, já que, para o comprador, o processo fica mais seguro porque somente poderão ser exigidas situações jurídicas que estejam descritas na matrícula. Além disso, deixa de ser obrigatório investigar toda a situação jurídica do vendedor antes de seguir adiante com a operação de compra do imóvel.
Além de evitar discussões judiciais entre os credores do antigo proprietário do imóvel e o novo dono, a Lei 6015/73 atualizada também disciplina o funcionamento do Sistema Eletrônico de Registros Públicos (SERP), que irá modernizar e simplificar procedimentos referentes aos registros públicos de imóveis.
Apesar das medidas de combate à burocracia, especialistas apontam ainda que é preciso ter cautela até a lei 14.382 estar consolidada entre o Judiciário e a sua aplicação uniformizada em todos os tribunais regionais. Confira a seguir as principais mudanças da Lei nº 14.382 e o seu impacto no mercado imobiliário.
Do que se trata a Lei nº 14.382/2022?
A Lei nº 14.382/2022 trouxe mudanças significativas ao mercado imobiliário, com alterações na Lei de Registros Públicos (6.015/73) e na Lei de Incorporação Imobiliária (4.591/64). Entre as principais mudanças estão a que quem compra um imóvel não será mais obrigado a obter todas as certidões de distribuição de processos judiciais contra os proprietários para configurar a sua boa-fé.
Com isso, passa a valer a concentração dos atos na matrícula do imóvel. O que significa que o que não está registrado na matrícula do imóvel não poderá ser usado contra o novo dono para tentar anular a venda do imóvel, salvo em situações em que o vendedor é uma pessoa jurídica. Nessa situação, se faz necessário obter uma certidão de distribuição para saber se a empresa está em recuperação judicial ou em falência porque, nessas condições, a empresa não pode realizar a venda do imóvel sem a prévia autorização judicial.
A nova lei de registros públicos também diminuiu prazos para emissão de algumas certidões, como a certidão de inteiro teor do imóvel (documento que reproduz tudo o que consta numa determinada matrícula do imóvel), que deve ser expedida em meio eletrônico em até quatro horas úteis; e a certidão de situação jurídica do imóvel que passa a ter o prazo de um dia útil para estar pronta e ser encaminhada ao seu destinatário.
Prazos para registro, prenotação e averbação também foram alterados com a nova lei de registros públicos. Para prenotação o novo prazo passa a ser em 20 dias úteis; registro ou averbação sem pendência: 10 dias úteis. Em casos de registro de escritura sem cláusulas especiais ou averbação de construção e averbação de cancelamento de garantias, o novo prazo passa a ser de cinco dias úteis.
A legislação ainda institui o Sistema Eletrônico de Registros Públicos (SERP), através da Medida Provisória 1.085/21, editada em dezembro de 2021. Com o sistema integrado, que será custeado por um Fundo financiado pelos oficiais dos registros públicos e regulado pela Corregedoria Nacional do CNJ, será possível ter acesso e consultar pela internet informações nos mais diversos cartórios do país.
Com a MP dos cartórios digitais, o SERP viabilizará, por exemplo:
- o registro eletrônico de atos e negócios jurídicos;
- a interconexão entre as bases de dados dos cartórios e intercâmbio de documentos;
- o atendimento remoto aos usuários;
- a recepção e envio eletrônico de documentos, expedição de certidões e obtenção de informações;
- visualização eletrônica de atos e registros nas serventias.
O cronograma de implantação das medidas determinadas pela nova lei de registros públicos tem como data limite o dia 31 de janeiro de 2023.
Como fica a documentação com a nova lei de registros públicos?
Como explica João Teodoro, presidente do Conselho Federal de Corretores de Imóveis, certidões negativas de distribuição forense contra os proprietários do imóvel das Justiças Federal, Estadual e Trabalhista se tornaram dispensáveis com a nova lei 14.382/22.
Durante as negociações, o comprador precisa apenas apresentar as certidões exigidas pela lei de registros públicos de imóveis, como as certidões de comprovação de pagamento do IPTU e ITBI/ITCMD, a certidão de matrícula, além da negativa de débito condominial, quando for o caso.
“Levando-se em conta o ditado americano de que time is money (tempo é dinheiro), aliado à economia com deslocamentos e certidões desnecessárias, é possível afirmar que haverá economia de cerca de 20% dos gastos, já que não há como economizar em verbas de caráter tributário, e mesmo laborais, para escrituração e edição de outros documentos, como contratos, recibos”, afirma Teodoro.
O ITBI é contemplado pela lei 6015?
A Lei 6015/73, prevê a quem financia a compra de um imóvel residencial pela primeira vez pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH) um desconto de 50% no valor das taxas de registro e escritura do imóvel.
Para conseguir o desconto, o proprietário deve solicitar no cartório onde reside uma certidão negativa de propriedade e, caso necessário, apresentar uma declaração de próprio punho atestando que este é o seu primeiro imóvel e que o mesmo é financiado pelo SFH.
Como a lei de Registros Públicos especifica que o desconto é válido apenas sobre os custos cartoriais para o registro do imóvel e a nova redação, a partir da sanção da 14.382 não realizou nenhuma alteração, o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) não se aplica neste caso.
O que muda com a nova lei de registros públicos?
A desburocratização do processo irá trazer mais rapidez à análise de documentos e redução do tempo para fechar o negócio. Para emissão de algumas certidões, o prazo médio estabelecido pela maioria dos órgãos era de sete dias úteis para liberação do documento, com a simplificação e aceleração do processo, especialistas estimam um impacto de uma semana a menos para a conclusão do negócio
A economia efetiva com a simplificação varia de cidade em decorrência das emissões de documentos da esfera municipal. No Rio de Janeiro, por exemplo, estima-se uma economia de mais de R$700,00 para cada vendedor. Em cidades, como São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre, essa economia fica por volta de R$100,00 para cada vendedor envolvido.
Quais os riscos da lei 6015 73 atualizada?
Mesmo com a lei 14.382 em vigor, que altera a lei 6015, especialistas recomendam cautela, sobretudo com a emissão de certidões negativas para evitar problemas futuros.
Lisboa explica que, caso o comprador se depare com alguma inconsistência nas certidões fiscais, é preciso ficar atento e solicitar esclarecimentos da outra parte para avaliar se a pendência ou dívida pode trazer algum impacto para a negociação.
Problemas como a existência de débitos tributários declarados ou apurados pendentes de inscrição na dívida ativa de responsabilidade do vendedor; pendências cadastrais e descumprimento de obrigações acessórias, como a falta de entrega de declaração, são motivos que impedem a emissão de uma certidão fiscal negativa.
Embora quem procura casa ou apartamento não esteja mais obrigado a realizar uma pesquisa para aferir a situação jurídica do vendedor, durante a negociação, ele também não deve ignorar situações que são de conhecimento público. Se, ao visitar o imóvel, por exemplo, o comprador tomou conhecimento de que existe uma situação de irregularidade que não está registrada na matrícula, ele deve questionar, pois futuramente não poderá alegar desconhecimento. Já se o próprio credor não tiver informado sobre a dívida na matrícula do imóvel, quem comprou está protegido pela nova redação da lei e pela Súmula 375 do STJ, reforça Vitoria Lisboa.
Para Marcos Lopes Prado, sócio do Cescon Barrieu Advogados na área imobiliária, é preciso também esperar que a jurisprudência se uniformize para que o mercado consiga, de fato, eliminar a emissão de todas essas certidões durante o trâmite de aquisição de imóveis.
O especialista ainda comenta que a redação da nova lei não abrange todas as situações de risco, ela não alcança, por exemplo, os casos de recuperação judicial ou falência do vendedor do imóvel – que serão regidas por outra lei, a 11.101/2005, nem as execuções fiscais.
Outra dúvida levantada por Prado é a respeito da aplicação desta lei na Justiça do Trabalho em processos de penhora para pagamento de dívidas. “Um juiz trabalhista pode entender que a nova lei não limita a possibilidade dele de determinar a penhora de bem de um sócio por dívida trabalhista, pois ele entende que a legislação trabalhista é soberana. É preciso que o Tribunal Superior diga que o juiz trabalhista também tem que respeitar esse entendimento”, sinaliza.
Colaboração de Michele Louvores
Comentários
LORETE BARRETO FERNANDES
Muito interessante a matéria. Tirou-me algumas dúvidas
ArnaldoCordeiroMontenegro
a nova com intuito de "desburocratizar" dispensou as certidões dos distribuidores, achando q a sociedade/jurisdicionados todos tem profundo conhecimento dos institutos de fraude a credores dentre outros ...são profundos da jurisprudência e do Código Civil lei 6.015/73 com a nova redação da Lei ora questionada (14.382/22)...
Deixe seu comentário