Amplamente horizontal no início dos anos 2000, a cidade de São Paulo viveu uma virada vertical em 20 anos. A construção de apartamentos cresceu 80% no período: saltou de 767 mil unidades, em 2000, para 1,38 milhão, em 2020.
Já as casas em São Paulo cresceram bem modestamente. Em 20 anos, o aumento foi de 11%, passando de 1,23 milhão para 1,37 milhão de unidades.
Os dados são de uma pesquisa do Centro de Estudos da Metrópole, órgão ligado à Fapesp. O cientista social e doutorando em Ciência Política na FFLCH Guilherme Minarelli é um dos responsáveis pela pesquisa e explica que eles contabilizaram as residências formais, regularizadas, já que a base utilizou dados do IPTU, mas ressalta que em áreas mais precárias há um maior número de casas e também um adensamento populacional maior.
- O que é verticalização?
- História da verticalização em São Paulo
- Mudanças na verticalização de São Paulo
- Verticalização de São Paulo: a infraestrutura da cidade dá conta?
- Avenida Paulista: símbolo da verticalização de São Paulo
- Os desafios da verticalização na maior metrópole do país
- Verticalização de São Paulo: vídeo exclusivo
O que é verticalização?
A verticalização é um fenômeno global e está ligada ao processo de urbanização e é um processo de crescimento vertical das cidades através de grandes edifícios. As cidades crescem verticalmente, construindo prédios em vez de casas, para atender a uma demanda por espaço. Com o aumento populacional nas metrópoles, há necessidade de ter espaço para mais gente. Os prédios utilizam os terrenos de maneira sobreposta, com moradias em andares (os apartamentos), o que aumenta a capacidade para atender mais pessoas do que as casas, também chamadas de habitações horizontais.
História da verticalização em São Paulo
O processo de verticalização começou no centro de São Paulo, região da praça da Sé. O primeiro “arranha-céu” é hoje a sede Secretaria de Cultura da cidade. O Edifício Sampaio Moreira foi inaugurado em 1924, na rua Líbero Badaró, com 12 andares. Foi considerado o mais alto da metrópole até 1929, quando perdeu o posto para o Edifício Martinelli.
Acompanhando o movimento do mercado de trabalho, as construções foram evoluindo em direção à avenida Paulista e proximidades, desceram pelos Jardins até a margem do rio Pinheiros, onde foi erguido um grande pólo vertical, majoritariamente comercial, na avenida Brigadeiro Faria Lima. O processo de subida de prédios continuou em direção à zona sul, com destaque para os apartamentos da avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini.
Desde 2014, o Plano Diretor Estratégico, a legislação que estabelece regras para o desenvolvimento urbano da cidade, incentiva a construção de grandes edifícios nos eixos de transporte público, como estações de metrô e trem e corredores de ônibus. Para os relatores do Plano Diretor, cidades mais compactas usufruem da infraestrutura já oferecida e barram o avanço da urbanização horizontal, preservando as áreas verdes, como os parques de São Paulo, que ainda restam no município.
Nos últimos cinco anos, a zona sul foi a que mais se verticalizou, segundo um levantamento do Loft Analytics, núcleo de disseminação de estudos da Loft: 9.006 apartamentos foram construídos. Na zona oeste, foram 6.518. No centro, 4.838. Na zona leste, 4.300. E na zona norte, 863 apartamentos.
O economista urbano e gerente da Loft, Rodger Campos, diz que esse fenômeno aconteceu porque as empresas se colocam nesses locais por causa da boa infraestrutura existente. E as famílias, que querem estar próximas do emprego, buscam morar nessas mesmas regiões, gastando menos tempo para chegar ao trabalho, vivendo em áreas com oferta de transportes, serviços e segurança.
A demanda e a proximidade do emprego e de bens públicos contribuem para aumentar o preço do terreno nessas regiões e também o metro quadrado mais caro de São Paulo. “Quem vai consumir imóveis ali, tem que ter uma renda compatível com o custo da terra e do preço dos apartamentos nessa localidade”, pondera o economista.
Paulo Henrique Pereira é porteiro e trabalha na zona oeste, próximo à avenida Brigadeiro Faria Lima. O trajeto até o emprego costuma demorar duas horas, ele diz que um imóvel na região da Faria Lima é fora de realidade pra ele, que mora no Jardim Ângela, na zona sul. “Tenho que sair muito cedo de casa pra chegar na hora certa, contando com o trânsito e os problemas que sempre vão aparecer pelo caminho”, conta Paulo.
Sobre a função social da moradia, a Prefeitura de São Paulo informou que tem instrumentos como o Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios (PEUC) e o IPTU Progressivo no Tempo (IPTUp). Por meio deles, a Prefeitura busca identificar e induzir imóveis ociosos em áreas centrais para que tenham destinação condizente com a infraestrutura urbana existente.
Mudanças na verticalização de São Paulo
O levantamento do Centro de Estudos da Metrópole também identificou um forte crescimento do número de apartamentos em São Paulo entre 80 m² e 200 m²– considerados de médio padrão: eram 500 mil, no começo dos anos 2000 e agora são mais de 750 mil unidades. “Passamos de uma predominância de casas de baixo padrão para uma predominância de apartamentos de médio padrão”, explica Minarelli. Os apartamentos de alto padrão superam os de baixo padrão, mas a diferença é pequena e ambas as categorias têm pouco menos de 250 mil unidades construídas na cidade.
Para Minarelli, o padrão residencial mudou acompanhando o incremento da renda do paulistano justamente pela melhoria da renda das pessoas nas últimas duas décadas, pelo menos até 2016, quando entra num processo de crise econômica mais claro, agravado ainda mais na pandemia.
A urbanista Camila Maleronka, pesquisadora do Instituto Lincoln de Políticas de Solo, adiciona à receita dessa expansão o aumento do acesso ao crédito, que ampliou o financiamento imobiliário. “Mais crédito na praça, mais gente interessada em comprar apartamento, especialmente a parcela da população que depende de uma proximidade ao trabalho”, explica.
Verticalização de São Paulo: a infraestrutura da cidade dá conta?
Quem anda pela cidade, percebe o intenso processo de demolição de casas em bairros tradicionalmente horizontais. Chamou a atenção do contador Antonio Rodrigues a situação da avenida Rebouças, em direção ao rio Pinheiros, e da Vila Beatriz. “Eu passo por esses locais com frequência, eram estritamente residenciais e hoje é um prédio atrás do outro que tá saindo”, observa.
Nesse cenário, há uma forte discussão sobre se a infraestrutura de São Paulo dá conta de tanta verticalização. Em vários cantos da cidade, ecoam reclamações sobre trânsito, barulho e interrupção de serviços, como internet e fornecimento de água.
Para Camila Maleronka, as cidades brasileiras, em geral, têm um déficit acumulado de infraestrutura. “São Paulo, especificamente, teve um processo de urbanização muito acelerado. E a gente não foi, como sociedade e poder público, capaz de provar infraestrutura em quantidade e ritmo necessários”, avalia Camila.
A verticalização das cidades demanda pensar a construção de edifícios para além dos muros dos condomínios fechados. “A gente sempre tem que pensar em cidade e habitação atreladas. Algumas regiões de São Paulo têm condições de receber esse adensamento construtivo e populacional”, afirma o pesquisador Guilherme Minarelli. “Porém, a gente tem áreas vivendo processos de verticalização que não são dotadas de infraestrutura”, alerta.
Questionada sobre a capacidade da capital para receber novas edificações , a Prefeitura de São Paulo informou que o Plano Diretor orienta o crescimento nas proximidades dos sistemas de transporte público coletivo e prevê melhorias urbanas em sistema viário, novos corredores de ônibus, infraestrutura cicloviária, qualificação e alargamento de calçadas e novas áreas verdes.
Avenida Paulista: símbolo da verticalização de São Paulo
O primeiro grande símbolo da verticalização de São Paulo foi a avenida Paulista. Já faz décadas que os casarões antigos deram lugar aos prédios. E apesar do interesse mais recente das incorporadoras pelo entorno do rio Pinheiros e pela zona sul, a Paulista continua sendo objeto de desejo, especialmente de empresários.
O Centro de Estudos da Metrópole identificou que cerca de 1.300 novos imóveis tiveram endereço registrado na avenida Paulista entre os anos 2000 e 2020. Praticamente 100% deles do tipo comercial. Os mais antigos são residenciais, possibilitando o encontro desses dois mundos no mesmo espigão.
A empresária Maíra Bovis sempre morou na região. “Antigamente, com os casarões, era só bonito. Agora é bonito e útil. Você pode morar num apartamento pequeno em plena avenida Paulista e estar feliz da vida, pois ao redor tem tudo, mercado, lavanderia, farmácia, transporte”, elogia.
Os desafios da verticalização na maior metrópole do país
O desafio para São Paulo é promover a produção de moradias e melhorias habitacionais e urbanas. “As unidades residenciais precárias na cidade são cerca de 27%. E a gente tem um déficit habitacional estimado em meio milhão de residências”, afirma o pesquisador Guilherme Minarelli.
Para a urbanista e pesquisadora Camila Maleronka, a verticalização com adensamento populacional é a saída para a crise urbana de habitação, com ganhos importantes em termos de oferta de infraestrutura. “É a tal capacidade de suporte. É muito mais barato ter um cano largo do que ter um cano mais extenso. É mais econômico ter um sistema de metrô que vai e volta cheio do que um que vem cheio de manhã e volta vazio e no final da tarde faz o contrário”, explica. “E essa crise não é só nossa, paulistana ou brasileira, outras cidades no mundo precisam enfrentar esse desafio”, conclui.
Verticalização de São Paulo: vídeo exclusivo
(Colaborou Juliana Maciel)
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